Praticar e compreender o Dharma é uma coisa rara e preciosa. A maior parte das pessoas está rodando em círculos, levadas pela ignorância e desejo, inconscientes da possibilidade de saírem dessa roda de avidez, ódio e ilusão. Cada momento mental livre desses sentimentos tem uma força purificadora no fluxo da consciência, as paramis, que são acumuladas dentro de nossas mentes, ao longo de nossa evolução.
Há dois tipos de paramis: pureza de conduta e pureza de sabedoria. As forças de purificação envolvidas na correta conduta tornam-se a causa de vizinhanças felizes, circunstâncias agradáveis, relacionamentos felizes e a oportunidade de ouvir o Dharma.
O outro tipo de parami, a pureza de sabedoria, desenvolve-se pela prática do correto compreender e torna possível o crescimento do insight.
Essas duas forças de purificação, devem ser desenvolvidas para que tenhamos a chance de praticar o Dharma e, depois, a sabedoria para compreendermos.
Há três pilares do Dharma, três campos de ação que cultivam e reforçam os paramis.
O primeiro deles é a generosidade: Dar é a expressão do fator mental não-avidez em ação, que significa ceder, abrir mão, não agarrar. Toda vez que dividimos ou damos algo a alguém, isso reforça o fator benéfico, até que se torna uma força mental poderosa.
Os resultados cármicos da generosidade são a abundância e relacionamentos profundamente harmoniosos com as outras pessoas. Dividir, compartilhar o que temos é uma forma linda de nos relacionarmos com os outros e nossas amizades ficarão muito intensificadas pela qualidade da generosidade. Cada ato de generosidade lentamente enfraquece o fator avidez.
Compartilhar abertamente é uma forma linda de viver no mundo e, através da prática, podemos nos tornar doadores reais.A generosidade é um grande parami: à medida que vai sendo cultivada, torna-se causa de grande felicidade em nossas vidas.
O segundo pilar do Dharma (campo de ações purificadoras) é a abstenção moral. Isso significa seguir os cinco preceitos básicos: não matar, não roubar, não cometer desregramento sexual, não utilizar discurso errado e não utilizar tóxicos que turvam a mente e a tornam embaraçada.
- Todos os seres querem viver e ser felizes; todos os seres desejam ser livres da dor. É um estado mental muito mais leve preservar a vida do que destruí-la. É ter reverência por todos os seres vivos.
- Não roubar significa abster-se de tirar as coisas que não nos foram dadas.
- Má conduta sexual é mais facilmente entendido como abstenção de ações sensuais que causem dor ou prejudiquem os outros, ou turbulência e distúrbio em nós mesmos.
- Abster-se do discurso incorreto significa não apenas dizer a verdade, mas evitar todo tipo de conversa frívola ou inútil. Muito do nosso tempo é perdido em fofocas. Restrição no discurso é muito útil para tornar a mente pacificada. Nosso falar deve ser gentil, cultivando harmonia e unidade entre as pessoas.
- Abster-se de tóxicos: Ao caminharmos no caminho da iluminação, em direção à liberdade e clareza da mente, também não é muito útil usar coisas que nublam nossa mente, tornando-a embaraçada.
A importância e o valor dos preceitos está em muitos níveis. Eles agem como uma proteção para nós, uma guarda contra a criação de carma maléfico. Todos esses atos dos quais nos refreamos, nos abstemos, envolvem motivos de avidez, ódio ou ilusão e são carmicamente produtores de dor e sofrimentos futuros. Enquanto a atenção ainda estiver sendo desenvolvida e, às vezes, não estiver ainda muito forte, a resolução de seguir os preceitos servirá como um aviso quando vocês estiverem a ponto de cometer algum ato ruim. Cada ação útil, boa, cada refrear de atividades maléficas, traz leveza e claridade. Seguir esses preceitos morais como regras para viver nos mantêm leves e permite que a mente seja aberta e clara. Neste nível de compreensão, os preceitos não são entendidos como mandamentos e sim seguidos pelo efeito que têm sobre a nossa qualidade de vida. Não existe o sentido de imposição de forma alguma porque eles são a expressão natural de uma mente clara.
Os preceitos têm um significado ainda mais profundo no caminho espiritual. Eles libertam a mente do remorso e da ansiedade. Ao estabelecer uma pureza de ações no presente, a mente torna-se mais facilmente tranqüila e penetrante. Sem concentração, o insight é impossível. De modo que um alicerce na moralidade torna-se a base do desenvolvimento espiritual.
O terceiro campo de atividade purificadora é a meditação.
A meditação está dividida em duas correntes principais. A primeira é o desenvolvimento da concentração, a habilidade da mente permanecer firme sobre um objeto, sem vacilar . Quando a mente está concentrada há um grande poder de penetração. A poderosa força da mente precisa ser utilizada à serviço da compreensão, que é o segundo tipo de meditação: o cultivo do insight, da percepção. Isto significa ver claramente o processo das coisas, a natureza de todos os Dharmas.
O sábio corrige sua mente inquieta, agitada,ardilosa, não-confiável, tal como o arqueiro constrói a flecha
(Buda; Dhammapada - verso 33)
Tudo é impermanente e está em fluxo, surgindo e passando de momento em momento. A consciência, o objeto, todos os diferentes fatores mentais, o corpo: todos os fenômenos compartilham do fluxo da impermanência. Quando a mente está clara ela experimenta essa mudança incessante a nível microscópico: de instante a instante estamos nascendo e morrendo. Não há nada ao que nos agarrarmos, nada a que nos atarmos. Não devemos nos apegar a nenhum estado mental ou corporal, nenhuma situação externa a nós mesmos, pois tudo esta mudando no momento. O desenvolvimento do insight significa experimentar o fluxo da impermanência dentro de nós de modo que possamos começar a abrir mão, a ceder, não nos agarrando tão desesperadamente aos fenômenos mente-corpo. Experimentar a impermanência leva a uma compreensão de insatisfação inerente do processo mente-corpo: insatisfação no sentido de que ele é incapaz de nos dar qualquer tipo duradouro de felicidade. Se pensarmos que o corpo vai ser a causa da nossa paz, felicidade e alegria permanentes, então não estaremos vendo a decadência inevitável que vai ocorrer. Conforme começamos a ficar velhos e doentes, decadentes e morremos, as pessoas com um forte apego ao corpo experimentarão grande sofrimento. A decadência é inerente a tudo o que aparece, que surge. Todos os elementos da matéria, todos os elementos da mente, surgem e desaparecem.
Outra característica de toda existência, que pode ser vista com o desenvolvimento do insight e da consciência, é que em todo esse fluxo dos fenômenos não existe algo como um "eu" ou um "self". São apenas fenômenos fluindo, fenômenos vazios de ego. À medida que o insight é cultivado através da prática da atenção, as três características da existência são reveladas.
O insight é um processo de purificação: quando todas as negatividades em nossa mente tiverem sido vistas, examinadas e finalmente extirpadas, elas não surgem de novo.
Sabedoria é a culminação do caminho espiritual, que começa com a prática da generosidade, refreamentos morais e o desenvolvimento da concentração. A partir dessa base de pureza surge o insight penetrante na natureza da mente e do corpo. Ao estarmos perfeitamente atentos ao momento, tudo aquilo que foi acumulado em nossas mente começa a subir, emergir. Todos os pensamentos e emoções, toda a malevolência, avidez e desejo, toda a luxúria, todo o amor, toda a energia, toda a confiança e alegria, tudo que está em nossas mentes começa a ser trazido ao nível consciente. E através da prática da atenção, do não agarramento, da não-condenação, não-identificação com coisa alguma, a mente torna-se mais leve e mais livre.
Buda disse que o poder da purificação na doação é aumentado pela pureza do recebedor, e ainda mais potente do que cultivar esse pensamento amoroso é ver claramente a impermanência de todos os fenômenos, pois esse insight dentro da impermanência é o início da liberdade.
Por Joseph Goldstein; A Experiência do Insight - Editora Roca